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Bolsonaro pode ser condenado pelo Tribunal Penal Internacional?

*Por Fabrizio Jacobucci.


Presidente é denunciado ao TPI por crimes contra a humanidade. O Tribunal de Haia tem força para condenar o brasileiro? Entenda a denúncia e as perspectivas do caso.

Foto: Amanda Perobelli/Reuters


Por meio de petição endereçada à Procuradoria do Tribunal Penal Internacional em novembro de 2019, representantes do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) e da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos “Dom Paulo Evaristo Arns” solicitam ao órgão investigador um exame preliminar por suspeita de crimes previstos no Estatuto de Roma.


Os crimes em voga teriam sido, em tese, cometidos pelo presidente da República Federativa do Brasil, Jair Messias Bolsonaro.


Este artigo irá abordar o pedido e seus desdobramentos: qual a viabilidade e possibilidade desta condenação?



Foto: Conselho Indigenista Missionário


Quais teriam sido os crimes cometidos por Bolsonaro?


A ação imputou ao chefe de Estado brasileiro o cometimento de dois crimes: incitação ao genocídio e crimes contra a humanidade.


O crime de genocídio


Na incitação ao genocídio, há menção a “efetivo risco de sua materialização” em razão de atos, ações e omissões do presidente.


Segundo os autores do pedido, Jair Bolsonaro teria cometido a incitação ao crime de genocídio à população indígena brasileira por significantes ações e omissões como presidente da República. Afirmam que a “retórica inflamada denegrindo estas comunidades, com um constante discurso de desumanização e ridicularização de seu estilo de vida tem legitimado a violência contra os indígenas, justificando políticas públicas designadas para remover ou reduzir o controle deste grupo sob suas terras”.


Segundo os denunciantes, o presidente brasileiro teria também cometido incitação ao genocídio ao transferir a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) para o âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - ato que condicionaria o tratamento das terras indígenas ao interesse dos grandes latifundiários e pecuaristas brasileiros, colocando em risco a existência do povo indígena.


Os autores reforçam no pedido que a configuração do crime de genocídio se divide nos elementos moral e material, sendo aquele a intenção de se praticar tal ato, e este sua efetivação. Neste sentido, realçam que a jurisprudência do Tribunal reconhece que na maioria dos casos a intenção genocida é estabelecida por um conjunto de evidências, como fatos e circunstâncias que comprovem o dolo do ato.


No caso Gacumbitsi (2006), o Tribunal entendeu que a intenção deve ser inferida a partir do ataque físico ao grupo ou sua propriedade, através do insulto de membros deste mesmo grupo. No caso Kayishema & Ruzindana (1999), o Tribunal sustentou que para a configuração do crime de genocídio, o requisito da intenção deve necessariamente existir antes do cometimento dos atos.


Não obstante, também haveria elementos materiais a fundamentar o pedido.


O crime de genocídio, como demonstrado anteriormente, não se efetiva apenas com a morte ou destruição massiva de um determinado grupo. A alínea b do artigo 6º do Estatuto de Roma é claro: consiste em genocídio o ato que causa “sérios danos mentais ou físicos a membros de um grupo”.

No caso Seromba (2008), o Tribunal entendeu que cometer genocídio não está limitado ao ataque físico e direto, pois outros atos podem constituir direta participação no fato do crime – como, por exemplo, o direto e público incitamento a cometer genocídio.


Casos como o discurso em que Bolsonaro compara os “índios” (sic) vivendo em suas terras como animais presos no zoológico, ou a retirada de poder da FUNAI, reforçam o argumento dos autores do pedido.


Crimes contra a humanidade


Os autores do pedido feito ao Tribunal Penal Internacional defendem que teria cometido crimes contra a humanidade Jair Bolsonaro por atentar contra a proteção dos direitos socioambientais, não obstante o tratamento dos povos indígenas.


Foto: Bruno Kelly/Agência O Globo


A transferência do serviço florestal para o Ministério da Agricultura, a reestruturação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), com a redução de 22 para 4 conselheiros que representa, a sociedade civil, a criação de núcleos governamentais para rever multas ambientais já aplicadas são alguns dos atos imputados ao presidente da República que configuram crimes contra a humanidade.


Há também menção à Medida Provisória 881, editada por Bolsonaro em abril de 2019 e convertida na Lei nº 13.874 em setembro do mesmo ano. Segundo a petição, esta lei prevê licença para desmatamento caso o órgão de fiscalização ambiental não providencie uma resposta em prazo específico. Este ato também consistiria em uma grave afronta à humanidade.


Os autores sustentam que a jurisprudência do Tribunal garante a configuração de crimes contra a humanidade desde que atos sejam “sistemáticos” ou “difundidos”, e que, para fins de aplicação fática, um destes dois elementos é suficiente.


Difundido se refere à escala do ataque ou o número de pessoas afetadas por eles, enquanto sistemático significa o ataque estar no bojo de plano ou política pré-concebida, de acordo com a definição a Comissão de Direito Internacional da ONU.


O artigo 7º também traz a expressão “qualquer população civil”, que pode ser entendido como o grupo de pessoas que fazem oposição aos membros das Forças Armadas ou outros combatentes legitimados, de acordo com a jurisprudência do Tribunal.


Outros argumentos são utilizados pelos autores com o fim de caracterizar os atos em desfavor dos povos indígenas como crimes contra a humanidade. Para isto, destacam o artigo 7º do Estatuto de Roma nas condutas de deportação ou transferência forçada de uma população, perseguição de um grupo ou coletividade e atos desumanos que causem intencionalmente grande sofrimento.


Os autores do pedido defendem que presidente Bolsonaro tem, desde sua eleição, feito repetidamente declarações denegrindo o povo indígena no Brasil, sem esforços de esconder sua opinião de que os indígenas seriam “menos humanos devido ao seu estilo de vida, se opondo à demarcação de suas terras que ele descreve como extremamente ricas”.


Desta forma teria o presidente do Brasil atentado contra a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e, de acordo com o pedido, incorrido no crime de “ataques contra uma população civil”, disposto no artigo 7º do Estatuto de Roma.


Também tem Bolsonaro expressado seu descontentamento com a situação ambiental no país, frequentemente com teor de favorecer o desmatamento e a flexibilização da fiscalização. “Não vou mais admitir o Ibama sair multando a torto e a direito por aí, bem como o ICMbio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade]. Essa festa vai acabar”, afirmou o presidente, neste sentido.


O Tribunal Penal Internacional: proposta, formação e estrutura


A ideia de se criar um tribunal internacional permanente foi inicialmente proposta pela Comissão de Direito Internacional da ONU em 1994 e adotada pela Assembleia Geral. Seu fundamento foi a da segurança jurídica que tal instituto traria em detrimento dos tribunais ad hoc que eram estabelecidos para cada caso – Iugoslávia e Ruanda, por exemplo.


Após intensas rodadas de negociação entre os Estados, uma conferência diplomática foi sediada na capital da Itália em 1998 para o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional. Sua carta de constituição, o Estatuto de Roma, foi assinada em 17 de julho de 1998 e entrou em vigor assim que 60 Estados a ratificaram, em 2002.


Atualmente conta com a ratificação de 122 Estados – dos quais o Brasil, que voltou seus esforços diplomáticos para a efetivação deste projeto visionário e vanguardista. Algumas expressivas ausências são notadas, como as da China, Israel, Irã, Rússia e os Estados Unidos.


Com sede em Haia, nos Países Baixos, o Tribunal Penal Internacional goza de personalidade jurídica internacional e compõe-se de quatro órgãos: Presidência, Divisão Jurídica, Procuradoria e Secretariado. Há 18 juízes no tribunal, eleitos pelos Estados parte para um mandato de 9 anos (não prorrogável).


Foto: ICC/Shutterstock


O fato de o Tribunal exercer jurisdição complementar à dos sistemas jurídicos nacionais significa que o TPI não serve como instrumento de substituição às cortes nacionais – mas sim, pelo contrário, atua de maneira residual. De acordo com o artigo 17 do Estatuto, um caso proposto ante o Tribunal deve ser declarado “inadmissível” se este fato já está sendo investigado ou processado por um tribunal nacional.


Sua atuação é pautada pelo princípio de que uma corte penal internacional – competente por julgar indivíduos – imparcial e independente atua positivamente no sentido de coibir a impunidade pelos graves crimes internacionais contra os direitos humanos.


O próprio preâmbulo do Estatuto de Roma realça o vínculo entre o direito penal e a proteção de direitos humanos por meio do combate à impunidade e, por conseguinte, contribuir para a prevenção de novas violações.


Como traz Antonio Cassese – jurista italiano de peso na doutrina jus internacionalista, atuou como juiz e presidente do Tribunal Penal Internacional para a Iugoslávia, e Tribunal Especial para o Líbano – os primórdios do relacionamento entre Tribunal Penal Internacional e o Conselho de Segurança da ONU não foram dos melhores. Ainda em tempos atuais, este relacionamento parece continuar sendo um problema central e delicado.


Os Estados Unidos, no momento da negociação do Estatuto, buscaram uma espécie de controle do Conselho de Segurança no TPI, sob o argumento de que “o TPI deveria operar em coordenação – não em conflito – com o Conselho de Segurança”. Esta abordagem foi absolutamente rechaçada pela sociedade internacional à medida em que o TPI foi apenas mantido com a condição de operar livre de controle político – sendo este do Conselho, da ONU, de uma determinada organização ou mesmo de Estados em sede do Estatuto.


Tribunais “ad hoc” existentes no passado – como os para a Iugoslávia e Ruanda – foram criados diretamente pelo Conselho de Segurança. A estrutura proposta para o Tribunal Penal Internacional de status permanente deveria seguir um diferente padrão.


Afinal, quais crimes podem ser julgados pelo Tribunal Penal Internacional?


De acordo com seu Estatuto, o TPI processa e julga indivíduos acusados de crimes contra a humanidade, crimes de genocídio, crimes de guerra e crimes de agressão. O texto legal trata de exemplificar e conceituar claramente os elementos que constituem os atos, para que não houvesse dúvida quando da aplicação.


Abaixo uma visão geral da conceituação que o Estatuto traz para cada crime tutelado:


Em suma, o Tribunal Penal Internacional aparece como um importante instrumento para o alcance da imparcialidade no julgamento de crimes contra os direitos humanos e presente mecanismo que ambiciona a universalidade.


Contudo, há alguns limites ao exercício de sua jurisdição.


De acordo com André de Carvalho Ramos, em primeiro lugar é importante observar que a jurisdição em razão da matéria (ratione materiae) restringe-se apenas aos crimes de jus cogens, cuja gravidade ofende os valores de toda a sociedade internacional.

Jus cogens, ou direito cogente, é o grupo de matérias de direito internacional consideradas como valores pressupostos de toda a sociedade internacional. Em linhas gerais, trata-se de um conjunto de princípios adotados pela comunidade como imperativos e fundamentais. Estes apenas podem ser derrogados por outros princípios da mesma natureza, nunca por tratados internacionais. Encontra disposição no artigo 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969


Vale a nota de que os Estados podem emendar o Estatuto e ampliar o rol de tais crimes, permitindo que o escopo do TPI seja ainda mais abrangente.


Por se tratar de uma Corte internacional firmada através de um tratado multilateral, o TPI somente tem jurisdição em sede dos Estados que ratificaram seu estatuto. Contudo, como ressalta Antonio Cassese, a jurisdição do TPI atinge casos em que:

  1. O crime alegado foi cometido no território de um Estado parte; ou,

  2. Se a pessoa acusada do crime é nacional de um Estado parte.

Isto significa que o Tribunal Penal Internacional pode também exercer sua jurisdição ante indivíduos nacionais de Estados que não ratificaram seu Estatuto, no caso de o ato em questão ter sido praticado no território de Estado que ratificou o Estatuto.


Em âmbito espacial, portanto, a jurisdição do Tribunal respeita a vontade e jurisdição dos próprios Estados. A ressalva que se faz aqui é para a possibilidade de o Conselho de Segurança adotar uma “resolução vinculante” capaz de enviar determinado caso para o julgamento do Tribunal Penal Internacional.


No caso Darfur (julgamento de Omar al-Bashir, ex-presidente do Sudão, por crimes de genocídio), o Conselho de Segurança da ONU determinou o início das investigações – ainda que o Sudão não tenha ratificado o Estatuto de Roma. No caso Kadafi (ex-ditador da Líbia), o Conselho de Segurança da ONU enviou uma resolução vinculante ao TPI em 2011, para responder a revolta popular que sua longeva tirania havia criado.


Quais indivíduos podem ser objeto de um processo em âmbito do Tribunal Penal Internacional? Qualquer pessoa que eventualmente vier a cometer um crime contra os direitos humanos?


O artigo 27 do Estatuto de Roma aborda a chamada “irrelevância de capacidade oficial”. Isto é, não pode se escusar da jurisdição do Tribunal Penal Internacional um chefe de Estado ou governo que venha a cometer algum dos crimes tutelados pelo Estatuto.


Em verdade, a possibilidade de que um crime de tamanha magnitude venha a ser cometido por um líder político ou governamental aumenta de acordo com o alcance de sua função. Os casos apontados previamente, não obstante, retratam tal cenário.


Nesta linha é que se encontra o caso objeto deste artigo: poderia o presidente do Brasil vir a ser processado, julgado e condenado pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de jus cogens cometidos contra a comunidade internacional?


Foto: Mary Altaffer/AP


Tem fundamento o pedido apresentado ao TPI? Qual o futuro da ação?


Como demonstrado nesta abordagem, o Tribunal Penal Internacional tem jurisdição suplementar e jamais sustentará a intenção de substituir as cortes de jurisdição internas. De fato, a demanda deveria ser julgada como “inadmissível” se o mesmo caso já está em julgamento por um tribunal nacional.


Os autores do pedido fundamentam a existência de competência temporal, em razão dos crimes terem sido cometidos depois de 25 de setembro de 2002 – data de entrada em vigor do Tribunal Penal Internacional; de competência territorial e/ou pessoal, em razão da ratificação do Estatuto de Roma pelo Brasil e sua vigência no ordenamento jurídico nacional e dos crimes terem sido cometidos em território brasileiro; e de competência material, por serem crimes cometidos objeto de jurisdição do Tribunal.


As três competências demonstradas pelos autores encontram fundamento.


De maneira geral, para que uma norma de Direito Internacional Público tenha força de lei naquele Estado é necessário que esta seja devidamente ratificada e internalizada em seu sistema jurídico interno. Não só foi ratificado o instrumento pelo Brasil, como houve a inclusão do §4º no artigo 5º da Constituição Federal: “O Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”. A competência territorial e/ou pessoal foi atingida.


Há também a possibilidade prevista no Direito Internacional de que um tratado disponha sobre as condições mínimas para sua entrada em vigor, como por exemplo um determinado número de ratificações. O artigo 126 do Estatuto de Roma dispõe que sua entrada em vigor se daria apenas após o depósito do 60º instrumento de ratificação dos Estado. Assim se deu em 2002, quando o Tribunal Penal Internacional foi efetivamente criado. Portanto, os crimes de jurisdição do TPI somente podem ser julgados a partir de sua criação. A competência temporal foi atingida.


Por fim, resta a competência material. Inquestionável no que tange à jurisdição do Tribunal em crimes da natureza dos apontados – resta claro sua competência para julgar crimes contra a humanidade ou de genocídio.


Contudo, a configuração dos delitos supostamente cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro como crimes pode ser objeto de dúvida, questionamento e interpretação. Isto porque não está plenamente consolidado no TPI o entendimento de que a incitação per si já seria suficiente para a condenação.


Mas a jurisprudência do Tribunal apontada pelos autores do pedido não deixa claro que a incitação dos crimes de sua competência configura crime?


Sim. Trata-se da questão de elemento moral que deve ser presente para a configuração do crime. Porém, a análise dos casos previamente condenados pelo Tribunal Penal Internacional demonstra que é imprescindível a caracterização do elemento material: a efetivação do crime. Esta análise nos dará o caminho para compreender o que esperar do caso Bolsonaro.


A única condenação por crimes de genocídio na história do TPI (até janeiro de 2020) é a do caso Darfur, indiciado em março de 2009. Omar al-Bashir, como presidente do Sudão, foi acusado de implementar uma política governamental de aparato estatal para atacar populações civis envolvidas à grupos rebeldes e rivais. O genocídio cometido em Darfur (região do Sudão) na tentativa de aniquilar três grupos de etnia não árabe resultou em mais de 200 mil mortes desde 2003.


No julgamento deste caso a questão do elemento moral foi também abordada. Porém, o dolo somente foi explorado com cautela a fim de comprovar o nexo causal com o genocídio, que inegavelmente aconteceu. Poucas foram as dúvidas sobre a existência do elemento material, tamanha a clareza do aparelhamento estatal que culminou nas mortes em massa.


Para os crimes contra a humanidade a realidade do TPI é outra, sendo este o líder de motivações de pedidos. Vários foram os emblemáticos casos julgados desta natureza.


No caso Kadafi, o ex-ditador da Líbia foi condenado por crimes contra a humanidade por ter ordenado, durante os primeiros meses da Guerra Civil Líbia, que milícias

governamentais, a polícia e o exercito executassem milhares de civis em atos de mais extrema desumanidade.


No caso Ongwen, o ex-comandante da LRA (grupo guerrilheiro de Uganda) foi condenado por 34 casos de crime contra a humanidade por ter estabelecido um sistema difundido e sistemático de ataques contra a população civil do norte de Uganda. Também coordenou uma campanha de perseguição contra parte da população, forçando mulheres à escravidão sexual e estuprando-as.


No caso Gbagbo, o ex-presidente de Costa do Marfim foi condenado por crimes contra a humanidade na perseguição de grupos contrários após a eleição presidencial de 2010, perseguidos, torturados, sequestrados e mortos por um aparato estatal coordenado por Laurent Gbagbo. Vale ressaltar que também foram condenados pelo TPI em diferentes processos Siomne Gbagbo, sua esposa, e Charles Blé Goudé, líder de organização paramilitar que o apoiava.


Em suma, as condenações proferidas pelo Tribunal Penal Internacional tanto em crimes de genocídio quanto em crimes contra a humanidade encontram fundamento na evidência material e irrefutável destes atos.


Não houve condenação baseada apenas na incitação destes crimes, senão em sua prática consumada.


Ainda que os atos praticados pelo presidente do Brasil tenham forma de insulto à população indígena, dificilmente se configurará o nexo causal com o crime de genocídio. Na prática, há ausência de elementos materiais que corroborem para a constatação de que atos e omissões praticados por Bolsonaro culminarão na extinção em massa desta população civil.

O mesmo provavelmente se aplicará para os crimes contra a humanidade no que tange às queimadas na Amazônia. É inegável a importância da Amazônia e a necessidade de sua manutenção e proteção. Porém, não há uma prova concisa e irrefutável que ligue os atos cometidos por Bolsonaro à efetiva morte da floresta amazônica.


Cabe à Procuradoria do TPI analisar a admissibilidade do pedido endereçado, para decidir se o processo será instaurado ou não.


Nos parece pouco provável que a Procuradoria decida a favor da criação do processo e, caso seja, menos provável ainda que o Tribunal decida a favor da condenação de Bolsonaro. Esta afirmação é feita com base não só na analogia ao que foi previamente julgado pelo Tribunal, mas principalmente com fundamento nos princípios defendidos pelo Estatuto de Roma.


É absolutamente legítimo que os pedidos cheguem ao TPI e sejam devidamente analisados. O Brasil é signatário do Estatuto e, como demonstrado, ratifica sua jurisdição para os crimes em voga. E justamente por isso é imprescindível que a movimentação política se abstenha de tentar interferir neste processo, deixando a decisão para o termo unicamente jurídico do Tribunal.


A manutenção de um Tribunal Penal Internacional livre de interferências políticas é a garantia de um avanço na proteção do jus cogens e na internacionalização do indivíduo, como sujeito responsável por seus atos em âmbito internacional. Indubitavelmente corrobora para o fundamental princípio do sistema criado no pós-Segunda Guerra Mundial: o da primazia dos direitos humanos.

 

Bibliografia básica:


BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law: Sixth edition. Nova Iorque: Oxford University Press, 2003; CASSESE, Antonio. International Law: Second edition. Oxford: Oxford University Press, 2005; RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2016; Estatuto de Roma. Disponível em:<https://www.icc-cpi.int/NR/rdonlyres/ADD16852-AEE9-4757-ABE7-9CDC7CF02886/283503/RomeStatutEng1.pdf>; Pedido de abertura de processo no Tribunal Penal Internacional contra Bolsonaro. Disponível em: <https://apublica.org/wp-content/uploads/2019/11/e-muito-triste-levar-um-brasileiro-para-o-tribunal-penal-internacional-diz-co-autora-da-peticao.pdf>.




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