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Países Baixos se preparam para levar Síria à Corte Internacional de Justiça

*Por João Sallani.

Foto: Remy De La Mauviniere/AP.


O Ministério de Relações Exteriores dos Países Baixos emitiu na última sexta-feira, 19, uma nota informando sua decisão de buscar a responsabilização internacional da Síria por graves violações ao direito internacional. As acusações neerlandesas estão relacionadas, sobretudo, a violações de direitos humanos e à prática sistemática de tortura pelo regime de Bashar Al Assad, com base na Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984.


Stef Blok, ministro das relações exteriores dos Países Baixos, afirmou na sexta-feira que “o regime de Assad cometeu horríveis crimes uma vez após a outra” e que, diante das inegáveis evidências das violações cometidas desde 2011, é necessário que o governo sírio encare as consequências de seus atos.


De acordo com a nota, os Países Baixos informaram diplomaticamente à Síria suas intenções de buscar a responsabilização internacional do país árabe por sistemáticas violações da Convenção de 1984, requerendo desde já que o governo de Bashar Al Assad cesse a prática de tais atos e garanta medidas de reparação às vítimas.


Segundo o governo dos Países Baixos, a comunicação enviada à Síria representa um convite à negociação, constituindo o primeiro passo para a resolução de controvérsias na forma prevista pela Convenção Contra a Tortura. Caso os países não cheguem a um consenso negociado, o governo neerlandês deverá tentar levar o caso a um tribunal arbitral composto por vontade mútua entre as partes. Caso, no entanto, tal solução também não seja aceita pelo governo sírio, os Países Baixos deverão encaminhar a disputa à Corte Internacional de Justiça, na forma prevista pelo artigo 30 da Convenção.


Mark Rutte, primeiro-ministro dos Países Baixos, considera que a medida jurídica é necessária e envia um importante sinal a ditadores ao redor do mundo. Para Balkees Jarrah, diretora do International Justice Program da Human Rights Watch, “por anos, milhares têm sido sistematicamente obrigados a passar fome, espancados e torturados até a morte em prisões sírias”. Ao tomar a iniciativa de levar o caso à "mais alta corte internacional do mundo", afirma Jarrrah, os Países Baixos se posicionam em defesa das incontáveis vítimas do regime de Bashar Al Assad. Para a Human Rights Watch, a ação representa um passo importante para a justiça por crimes contra a humanidade na Síria.

O governo sírio, por outro lado, acusou os europeus de buscarem, por meio de tal ação, acobertar seu apoio a grupos armados de oposição na guerra civil síria, respondendo em nota que a ação dos Países Baixos não é nada mais que uma “manobra para camuflar os escândalos do regime neerlandês e uma tentativa desesperada de conseguir aquilo que não foi possível por meio do suporte a organizações terroristas na Síria”.


Esta não é a primeira vez que países ocidentais apresentam intenção de buscar a responsabilização do governo sírio por vias jurídicas. Em 2014, um projeto de resolução elaborado pela França e apoiado por mais de 60 países foi apresentado ao Conselho de Segurança das Nações Unidas a fim de enviar ao escritório da Promotoria do Tribunal Penal Internacional (TPI) requisição de abertura de investigação contra membros do regime de Bashar Al Assad por graves violações aos direitos humanos e ao direito humanitário internacional.


A resolução, no entanto, foi vetada no Conselho de Segurança por China e Rússia, de forma a inviabilizar a responsabilização dos membros do governo sírio por eventuais crimes de guerra e crimes contra a humanidade perante o TPI.


Foto: Michael Loccisano/Getty Images.


Obstruídas as vias de responsabilização individual dos membros do regime de Bashar Al Assad perante o Tribunal Penal Internacional, a decisão dos Países baixos de iniciar medidas para o encaminhamento do caso à Corte Internacional de Justiça se torna ainda mais relevante.


Embora a Corte Internacional de Justiça não tenha competência para responsabilizar, julgar ou punir indivíduos, estando restrita à apreciação e julgamento de disputas entre Estados, eventual ação a ser proposta pelos Países Baixos contra a Síria, ao buscar que a Corte determine a cessação das reiteradas violações aos direitos humanos e a reparação às vítimas do governo sírio, deverá ser carregada de forte simbolismo.


O que será discutido, no fundo, é a prevalência e a relevância do respeito ao direito internacional de modo amplo, ainda que o Estado disposto a buscar sua efetivação não tenha sido diretamente ofendido pelas violações levadas à Corte Internacional de Justiça.


Isto é, embora os Países Baixos não tenham sido diretamente afetados pelas sistemáticas violações sírias ao direito internacional e aos direitos humanos, a tendência é que o país europeu sugira à Corte que qualquer violação ao ideal da erradicação da tortura, consolidado na Convenção de 1984 - a qual foi ratificada por ambas as partes e cujo fundamento (a proibição da tortura) é atualmente entendido como norma fundamental do direito internacional - constitui ofensa não somente a suas vítimas imediatas, mas também a toda a comunidade internacional interessada na prevalência do direito nas relações internacionais.


Acompanhe os desdobramentos do caso no Observatório Cosmopolita da Corte Internacional de Justiça.

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