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Conselho de Segurança e Assembleia Geral da ONU elegem 5 juízes para novos mandatos na CIJ

Foto: Eskinder Debebe/UN Photo.


No dia 12 de novembro de 2020, a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança das Nações Unidas elegeram 5 juízes para a Corte Internacional de Justiça (CIJ) – quatro destes para um segundo mandato e um deles para assumir compor a Corte pela primeira vez. Mas, antes de falar das últimas eleições, é importante que entender a composição e o processo de seleção dos membros da Corte.


A Composição da Corte Internacional de Justiça


O plenário da Corte Internacional de Justiça é composto por 15 juízes. A diversidade é um caráter importante na composição da Corte, não sendo permitida a eleição de dois juízes de mesma nacionalidade, conforme previsto pelo Estatuto da CIJ. No mesmo sentido, a eleição dos juízes deve refletir e representar as “mais altas formas da civilização” e os “principais sistemas jurídicos do mundo” – como o sistema jurídico romano-germânico e o commom law, por exemplo.


As eleições regulares são realizadas trienalmente. A cada eleição são eleitos 5 juízes, cujos mandatos iniciam em 6 de fevereiro do ano subsequente ao da eleição e tem duração de 9 anos, sendo permitida a reeleição. Sendo assim, a cada ciclo de nove anos há eleição para todos os bancos da Corte.


Apesar do Estatuto reforçar a importância da diversidade nos bancos da Corte, os membros permanentes do Conselho de Segurança têm historicamente assegurado a eleição de seus nacionais.


Uma rara exceção aconteceu 2017, quando o juiz britânico não foi reeleito. Não há nenhuma norma que garanta vaga para uma nacionalidade específica, no entanto “o sistema eleitoral assegura que a composição da Corte reflita a força do voto e as alianças políticas no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral”, conforme aponta James R. Crawford, juiz da Corte desde 2015. Mas as eleições regulares e especiais não são a única possibilidade de ocupar um assento na CIJ.


Os Juízes ad hoc


Até que ponto ter um juiz da nacionalidade de uma das partes pode influenciar na decisão da Corte?


Os redatores do Estatuto da CIJ certamente acharam que há uma influência significativa. O juiz nacional de uma das partes pode ajudar os outros juízes a enxergar o argumento dessa parte com mais clareza, o que pode influenciar na decisão do caso. Nesse sentido explica Hugh Thirlway, professor do Graduate Institute of International Studies em Genebra:


“(...) a presença de um ‘juiz nacional’, mesmo que seja obrigado a decidir imparcialmente, continua a ser valiosa para garantir justiça ao Estado de que é nacional, uma vez que pode assegurar que o caso apresentado pelo seu país seja plenamente compreendido” (EVANS, 2018, tradução nossa).


Esse é o racional por trás do art. 31 do Estatuto da CIJ. A ideia geral da norma é que qualquer das partes litigantes tem direito a ter um juiz de sua nacionalidade ouvindo e julgando o caso. Se uma das partes não contar com um ‘nacional’ dentre os juízes eleitos, essa pode apontar um juiz ad hoc para funcionar como juiz especificamente naquele caso.


Caso nenhuma das partes conte com um “nacional’ entre o rol de juízes eleitos, ambas as partes podem apontar juízes ad hoc, conforme disposto no item 3 do art. 31 do Estatuto da CIJ. Nesses casos, contudo, como afirma Evans, é comum que as partes acordem em não apontar seus juízes.


O processo de eleição dos juízes na Corte Internacional de Justiça


O processo de eleição dos membros da CIJ acontece em duas etapas. A primeira consiste na nomeação dos candidatos pelos Grupos Nacionais da Corte Permanente de Arbitragem (CPA). A segunda é a votação dos candidatos na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança.


(i) A Importância dos Grupos Nacionais da Corte Permanente de Arbitragem


Os grupos nacionais nada mais são do que os árbitros indicados pelos Estados membros da CPA, nos termos do art. 44 da Convenção de Haia de 1907 para Resolução Pacífica de Conflitos Internacionais. Cada Estado parte pode indicar 4 juristas de competência e reputação reconhecidas para integrar o quadro de árbitros da CPA. Além sua competência como árbitros, cada grupo nacional tem o dever de indicar candidatos para a CIJ. O grupo brasileiro na CPA é atualmente composto por Celso Lafer, Nadia de Araujo, Eduardo Grebler e Antônio Augusto Cançado Trindade, que atua também como juiz na CIJ.


Foto: Olga Vlahou.


No mínimo três meses antes das eleições formais (na prática, em geral, por volta de 8 ou 9 meses), o Secretário Geral da ONU deve pedir à CPA que indique candidatos aptos a disputar eleições para a CIJ. As indicações da CPA devem ser realizadas por grupos nacionais. Os grupos nacionais não deveram indicar mais de 4 candidatos, dos quais no máximo 2 podem ser da nacionalidade do grupo. Diferentes grupos nacionais podem indicar o mesmo candidato, o que de fato acontece com frequência. Os candidatos com maior número de indicações têm historicamente mais chance de serem eleitos.


O Estatuto da extinta Corte Permanente de Justiça Internacional já previa em seu artigo 4º a nomeação de candidatos aos seus quadros pelos grupos nacionais. A redação do dispositivo foi quase inteiramente mantida pelo atual art. 4º do Estatuto da CIJ, com pequenos ajustes.


A opção por esse sistema de nomeação foi pensada como forma de despolitizar o processo de eleição dos juízes, mitigando a influência direta dos Estados. Contudo, o grau com que os Estados ainda conseguem influenciar seus grupos nacionais e nomear candidatos politicamente favoráveis varia muito. O grupo dos EUA, por exemplo, tem sua atuação tradicionalmente considerada relativamente independente. Em 1979 o grupo estadunidense na CPA nomeou Richard R. Baxter em oposição à clara preferência do governo de Jimmy Carter por Arthur Goldberg.


(ii) A votação na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança


Após a nomeação dos candidatos, o Secretário Geral apresentará a lista dos candidatos indicados, organizada em ordem alfabética, à Assembleia Geral e ao Conselho de Segurança.


A votação, então, acontece de maneira independente e simultânea. Eleitos serão os candidatos que alcançarem maioria qualificada dos votos nos dois órgãos. Segundo a Regra nº 92 das Regras de Procedimento da Assembleia Geral, os votos serão secretos. Embora não haja nenhuma regra nesse sentido nos procedimentos do Conselho de Segurança, é costume que as eleições também ocorram de forma secreta.


Foto: Mary Altaffer/AP.


Dispositivo crucial para a dinâmica eleitoral é o item 2 do art. 10 do Estatuto da CIJ. A norma dita que, para eleição dos membros da CIJ, “não haverá qualquer distinção entre membros permanentes e não permanentes do Conselho de Segurança”. O dispositivo afasta, portanto, o sistema de votos especiais dos membros permanentes (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França).


Conforme escrevem Cosette Creamer, da Boston University, e Zuzanna Godzimirska, do Center of Excellence for International Courts da Universidade de Kompenhagen, tudo indica que a votação é precedida de intensas negociações informais, campanhas eleitorais e trocas de voto. O que faz muito sentido, uma vez que não há processo de discussão formal sobre os candidatos e os Estados membros só dispõe de 3 reuniões para ocupar as vacâncias da Corte por meio de eleições diretas. Caso ainda haja vagas a serem preenchidas após a terceira reunião, a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança devem indicar uma comissão mista com o objetivo de eleger os candidatos para ocupar as vagas restantes, conforme art. 12 do Estatuto da CIJ.


A Resolução 264 (III) da Assembleia Geral lida com a possibilidade de um Estado membro da CIJ não ser membro das Nações Unidas e, portanto, não participar da Assembleia Geral. O caso pode parecer raro, mas já aconteceu com Liechtenstein, San Marino, Suíça, Japão e Nauru. Nesses casos, os Estados têm o direito de participar “em pé de igualdade” com os Estados membros da ONU, tendo direito a constituir seus grupos nacionais para nomeação de candidatos e tento direito à voto nas eleições na Assembleia Geral.


As eleições de 2020


Em 12 de novembro de 2020, 5 cadeiras na CIJ foram disputadas por oito candidatos. Dos candidatos referidos, quatro já eram juízes da Corte que pleiteavam sua reeleição: Hanqin Xue (China), vice-presidente; Peter Tomka (Eslováquia); Julia Sebutinde (Uganda); e Yuji Iwasawa (Japão). Os outros 4 candidatos eram: Taoheed Olufemi Elias (Nigéria), Georg Nolte (Alemanha), Maja Seršić (Croácia) e Emmanuel Ugirashebuja (Ruanda).


Em 11 de novembro de 2020, a votação na Assembleia Geral havia sido inconclusiva porque mais de cinco candidatos receberam a maioria absoluta de votos. Além dos 5 que de fato foram eleitos, Emmanuel Ugirashebuja (Ruanda) recebeu – nesta primeira votação – 97 votos (maioria absoluta). Razão pela qual nova votação foi realizada no dia seguinte.


Após votação independente, mas simultânea, na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança, decidiu-se pela reeleição dos 4 juízes e a eleição de Georg Nolte (Alemanha). Os mandatos se iniciam em 06 de fevereiro de 2021.


Foto: Thomas Imo/Phototek.


Georg Nolte, novo nome a integrar a CIJ, é Professor de Direito Internacional Público na Universidade Humboldt de Berlim desde 2008, e membro da Comissão de Direito Internacional da ONU desde 2007. Dentre algumas de sua extensa lista de publicações, destacam-se:

  • Treaties and their Practice – Symptoms of their Rise or Decline, Recueil des Cours de l’Academie de Droit International de la Haye:Collected Courses of the Hague Academy of International Law, vol. 392 (2017), pp. 205–397;

  • Treaties and Subsequent Practice (Oxford University Press), 2013 (ed.);

  • United States Hegemony and the Foundations of International Law, Cambridge (Cambridge University Press) 2003 (co-ed. with Michael Byers);

  • How to Identify Customary International Law? – On the Outcome of the Work of the International Law Commission, forthcoming in Japanese Yearbook of International Law vol. 62 (2019) pp. 251–273.

Ainda sobre o novo juiz eleito, Georg Nolte, é relevante referenciar algumas de suas opiniões enquanto membro da Comissão de Direito Internacional sobre temas caros ao Direito Internacional Público:


· Jus Cogens: em debate sobre normas de jus cogens, Nolte apontou que nenhuma conclusão sobre o tema deveria ser tomada no momento e sugeriu que a Comissão não se posicionasse em sentido contrário à possível existência de normas de jus cogens regionais. Sobre o art. 53 da Convenção de Viena, “a peremptory norm of general international law is a norm accepted and recognized by the international community of States as a whole” (grifo nosso), ele sugeriu que os trabalhos antecedentes (travaux préparatoires) evidenciam que o termo “states as a whole” não possuía o objetivo de excluir a possibilidade de reconhecimento de normas de jus cogens regionais.


· Proteção ao Meio Ambiente em Relação a Conflitos Armados: em relação ao tema, Nolte reconheceu que certos Estados podem ser incapazes de proteger seus cidadãos, bem como o meio ambiente, em situações de conflitos armados. Nestes casos, Estados terceiros poderiam temporariamente fornecer assistência exercendo temporariamente algum controle sob pessoas jurídicas sob sua própria jurisdição. Contudo, Nolte ponderou que essa interferência benevolente poderia incidir em certa interferência paternalística, com severa interferência política. Em razão disso, Nolte apontou que interferências de jurisdição extraterritorial deveriam ser limitadas à não interferência em escolhas políticas legítimas de outros Estados - o que poderia ser garantido pela compreensão de que esta jurisdição não poderia ser exercida se não para garantir direitos humanos reconhecidos gerais e o direito de outros Estados.


· Identificação de Direito Internacional Costumeiro: Nolte defendeu que a Comissão deveria fixar claros parâmetros para a identificação do costume como fonte de direito internacional público; do contrário a autoridade e o valor da fonte restariam diminuídos. Isso ocorre uma vez que, desde a década de 90, mais cortes internacionais, além de outros atores, têm sido demandadas a decidirem sobre se uma regra costumeira de direito internacional deve ser aplicada ou não. Logo, na visão de Nolte, o crescente número de informação e atores relevantes pode tornar os parâmetros de identificação de um costume mais diluídos e confusos.


Passado o processo eleitoral dos juízes da CIJ em 2020, resta acompanhar a atuação dos eleitos na Corte Internacional de Justiça e seu impacto no desenvolvimento do direito internacional. As novidades e detalhes dos trabalhos da Corte você acompanha no Observatório Cosmopolita da Corte Internacional de Justiça.


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Bibliografia recomendada:


Crawford, James. Brownlie’s Principles of Public International Law (2019);

Creamer, Cosette e Godzimirska, Zuzanna. The JobMarket for Justice: Screening and Selecting Candidates for the International Court of Justice, Leiden Journal of International Law, 30, pp. 947–966 (2017);

HUMBOLDT-UNIVERSITÄT ZU BERLIN. Statements by Professor Georg Nolte in the International Law Commission. Disponível em: http://nolte.rewi.hu-berlin.de/doc/pub/ilc-statements-nolte-20_02_19.pdf. Acesso em: 05 dez. 2020;

JORRITSMA, Remy. National Groups (Permanent Court of Arbitration), MPILux Working Paper 8 (2017);

Permanent Court of Arbitration. Annual Report (2019), Disponível em: https://pca-cpa.org/en/about/annual-reports/;

Thirlway, Hugh. “The International Court of Justice”, em Evans, Malcolm D. International Law (2018);

UNITED NATIONS. Security Council Elects 5 Judges to International Court of Justice after Single Round of Voting. Disponível em: https://www.un.org/press/en/2020/sc14357.doc.htm. Acesso em: 05 dez. 2020;

UNITED NATIONS. Security Council Unable to Fill 5 Open International Court of Justice Seats after First Round, Voting Continues on 12 November. Disponível em: https://www.un.org/press/en/2020/sc14353.doc.htm. Acesso em: 05 dez. 2020.






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