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Eleições 2021 para a Corte e Comissão Interamericanas: resultados

*Por Bruna Nowak e Giovanny Padovan Ferreira


Foto: Corte IDH.


Nas sessões plenárias do dia 12 de novembro de 2021 da última Assembleia Geral da OEA, os Estados membros da OEA elegeram integrantes para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Para a Corte IDH, foram eleitas Nancy Hernández (Costa Rica), Verónica Gómez (Argentina), Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch (Brasil) e Patrícia Pérez Goldberg (Chile), renovando 4 das 7 cadeiras da Corte. Com essa eleição, será a primeira vez na história que a Corte IDH contará com mais de uma magistrada. Além disso, volta a compor a Corte IDH um brasilerio - Rodrigo Mudrovitsch. Na CIDH, ocuparão 3 dos 7 postos do órgão o comissionado Joel Hernández (México) (reeleito), Carlos Bernal (Colômbia) e Roberta Clarke (Barbados). A atual presidente da CIDH, Antonia Urrejola Noguera (Chile), concorria à reeleição, mas não obteve votos suficientes. A Comissionada Flávia Piovesan (Brasil) não concorreu à reeleição, e o Brasil deixa de contar com representante na CIDH.


Como são eleitas as pessoas que integram a Corte IDH e a CIDH?


Ambos os órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos contam com 7 membros, eleitos pelos Estados membros da OEA. Ainda que sejam os Estados que, além de eleger, indicam os nomes para eleição, as pessoas que exercem os mandatos o fazem em sua qualidade pessoal, como expertas no assunto e por sua aptidão técnica, sem representar formalmente qualquer Estado da OEA. Os dois órgãos preveem algumas garantias para esse julgamento técnico e desinteressado, como, por exemplo, a proibição de que nacional do Estado em controvérsia aprecie ou julgue um caso tanto na CIDH quanto na Corte IDH. Além disso, não pode haver mais de um juiz ou comissionado de mesma nacionalidade.


As principais regras para a composição e eleição no caso da Corte IDH decorrem da própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) e são complementadas pelo Estatuto da Corte. O art. 52 da CADH estabelece como requisito para integrantes da Corte IDH a nacionalidade de um dos Estados membros da OEA, alta autoridade moral e reconhecida competência em matéria de direitos humanos. Cada Estado membro pode propor uma de uma a três pessoas candidatas de qualquer Estado da OEA, mas se indicar três nomes, ao menos um deles deverá ser de nacionalidade de um Estado diferente do Estado proponente. Essa indicação exerce papel importante também para que os requisitos do exercício do cargo sejam avaliados, pois o art. 52 ainda prevê que para ser juíza na Corte IDH, a pessoa deverá preencher “condições requeridas para o exercício das mais elevadas funções judiciais, de acordo com a lei do Estado do qual sejam nacionais, ou do Estado [proponente]”. No caso de Rodrigo Mudrovitsch, por exemplo, indicado pelo Brasil e de nacionalidade brasileira, além da autoridade moral reconhecida e competência em matéria de DH, o candidato deveria ser apto a ser indicado ao Supremo Tribunal Federal.


O mandato na Corte IDH dura seis anos e pode haver uma reeleição. Todavia, esse período pode sofrer alguma dilatação, pois conforme o art. 54 da CADH, integrantes da Corte continuam em função “nos casos de que já houverem tomado conhecimento e que se encontrem em fase de sentença e, para tais efeitos, não serão substituídos pelos novos juízes eleitos”.

Apesar de a CIDH ser órgão anterior à Convenção Americana, desde que a CADH entrou em vigor, se aplicam disposições deste tratado para eleição de membros - presentes nos arts. 34 e seguintes da Convenção. Além da CADH, o Estatuto da CIDH também regulamenta a sua composição e eleições. Aqui, os requisitos para a candidatura são similares: basta a nacionalidade de um Estado membro da OEA, alta autoridade moral e reconhecido saber (versação) em direitos humanos. Novamente, cada Estado pode indicar até três nomes, mas, caso indique o número máximo, uma das pessoas indicadas deve ser nacional de um Estado Membro diferente do proponente. Os mandatos duram quatro anos e é permitida uma reeleição.


Os procedimentos até a eleição - e durante ela


Como regra geral, as eleições ocorrem na Assembleia Geral imediatamente anterior à expiração dos mandatos. A Secretaria-Geral da OEA comunica, ao menos seis meses antes da eleição, a possibilidade de os Estados membros indicarem nomes para os cargos. Os Estados têm 90 dias para responderem com suas indicações. Após, a Secretaria-Geral novamente encaminha a lista formada por todos os nomes indicados a todos os Estados em até 30 dias antes das eleições. Além disso, o Conselho Permanente da OEA realiza audiências de escuta com as pessoas candidatas a ambos os órgãos. Em 2021, essas sessões ocorreram em 22 de setembro e 29 de setembro.


Foto: Corte IDH / Julieth Méndez.


Apesar da ampla possibilidade de indicação de nomes pelos Estados, as listas costumam ser contidas. Por exemplo, em 2021, concorreram para a Corte IDH Rodrigo Bittencourt Mudrovitsch (Brasil), Miryam Josefina Peña Candia (Paraguai), César Landa Arroyo (Peru), Nancy Hernández López (Costa Rica), Verónica Gómez (Argentina), Patricia Pérez Goldbergh (Chile) e Maytrie Vydia Kuldip Singh (Suriname). Para a CIDH, concorreram Joel Hernández García (México), Carlos Berna Pulido (Colômbia), Antonia Urrejola Noguera de (Chile), Roberta Clarke (Barbados) e Alexandra Huneeus (Estados Unidos). Honduras havia indicado Karla Eugenia Cueva Aguilar para a CIDH, e Panamá e Bolívia haviam indicado Ana Matilde Gómez Ruiloba e Patrici Pazmiño Freire respectivamente, mas suas nomeações foram retiradas pelos Estados no decorrer do processo eleitoral


Durante a Assembleia-Geral, são eleitas, com voto secreto, as pessoas que obtiveram o maior número de votos, de acordo com a quantidade de vagas disponíveis. No entanto, também é necessária a maioria absoluta dos votos dos Estados-membros e, se forem necessárias várias votações, serão eliminados sucessivamente os candidatos que receberem menor número de votos, segundo o determinem os Estados Partes. Podem ser necessárias várias votações para que sejam atingidos esses requisitos e, nesse caso, eliminam-se sucessivamente as pessoas que recebem o menor número de votos pelos Estados. Em 2021, Joel Hernández García (México) contou com 27 votos, Roberta Clarke (Barbados) com 23 votos e Carlos Bernal Pulido (Colômbia) com 21 votos. Para a Corte IDH, o brasileiro Rodrigo Bittencourt Mudrovitsch obteve o maior número de votos (19), seguido pela argentina Verónica Gómez (17 votos), a costarriquense Nancy Hernández López (16 votos) e a chilena Patricia Pérez Goldbergh (16 votos).


Breve análise dos perfis das e dos candidatos eleitas/os


Até a eleição, a sociedade civil costuma se mobilizar para acompanhar pronunciamentos das pessoas indicadas e avaliar seus currículos e carreiras. Por exemplo, em outubro, diversas organizações realizaram um evento entrevistando as pessoas candidatas tanto às Corte quanto às CIDH. Além disso, uma das iniciativas mais conhecidas é a criação de um painel de expertas e expertos para avaliação das candidaturas e que, em 2021, além de avaliar as pessoas candidatas à Corte IDH, também o fez para a CIDH. Os resultados do painel podem ser encontrados em seu relatório final.


Dentre os critérios avaliados, o painel considerou (i) alta autoridade moral; (ii) reconhecida competência em direitos humanos (no caso das candidaturas à Corte IDH) e reconhecida versação em direitos humanos (no caso das candidaturas à CIDH); (iii) independência, imparcialidade e conflitos de interesse; (iv) aporte à integração representativa e balanceada do organismo; e (v) processos de nominação a nível nacional.

A metodologia de trabalho do painel seguiu os critérios de transparência e publicidade, além da independência em relação a organizações da sociedade civil e aos Estados. Houve ativa participação das e dos candidatos por meio de entrevistas e de respostas a questionários, o que permitiu a conjugação e a síntese de informações vindas de diferentes fontes.


Quanto às candidaturas à Corte IDH, o painel concluiu que as três mulheres que foram eleitas preenchem os requisitos para ocupar o cargo de juíza do tribunal. Verónica Gómez recebeu diversas cartas de apoio que ilustram a confiança que despertou ao longo de sua carreira em direitos humanos, tendo trabalhado durante dez anos como especialista perante a CIDH, além de uma sólida experiência acadêmica e profissional na área. Nancy Hernández López atuou mais de trinta anos no Poder Judiciário costarriquenho, tendo proferido sentenças relevantes em matéria de direitos humanos, além de ser professora universitária há vinte e cinco anos. O painel também averiguou seu perfil proativo de participação de visitas in loco e de reuniões com as vítimas de violações de direitos humanos e demais atores envolvidos no cumprimento de decisões. Quanto a Patricia Pérez Goldberg, o painel apurou que a diversidade de sua trajetória profissional possibilitou a criação de institucionalidade a favor dos direitos humanos e impulsionou a implementação de políticas públicas no Chile. Também se considerou a originalidade de suas respostas a questionamentos sobre os desafios atuais do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH).


Foto: Rodrigo Bittencourt Mudrovitsch / Reprodução/Twitter @ItamaratyGovBr.


Quanto ao candidato recém-eleito Rodrigo Bittencourt Mudrovitsch, o painel constatou o preenchimento parcial dos critérios. Apesar de sua alta autoridade moral, comprovada por grande número de cartas de apoio, e de sua elevada especialização em Direito Constitucional, concluiu-se pela falta de conhecimento específico em Direito Internacional Público e Direito Internacional dos Direitos Humanos, áreas chave para o exercício da magistratura na Corte IDH. Não foram encontradas referências a tais searas jurídicas em suas postulações como advogado perante o Supremo Tribunal Federal, nem em suas produções acadêmicas. A entrevista realizada também confirmou um conhecimento parcial sobre direitos humanos nas Américas.


Acerca das candidaturas à CIDH, o painel concluiu que dois dos três candidatos eleitos preenchem totalmente os requisitos para atuar como comissionados. Joel Hernández García, reeleito, possui longa trajetória no serviço diplomático mexicano, além de já ter ocupado a presidência da CIDH durante seu primeiro madato. Ademais, trabalhou com temas de Direito Internacional dos Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário em distintas posições e detém amplo conhecimento dos desafios do SIDH. Roberta Clarke dedicou sua carreira internacional ao ativismo e à promoção dos direitos humanos, além de ter ocupado cargos diretivos na Organização das Nações Unidas. O fato de ser uma mulher de um país caribenho também contribuirá para a integração geográfica e cultural, haja vista que os Estados da América Latina e do Caribe não participam tão ativa e efetivamente do SIDH.


Para o painel, Carlos Bernal Pulido cumpre parcialmente com os critérios. O candidato recém-eleito para a CIDH não concordou em ser entrevistado pelos especialistas. Acerca de seu conhecimento em direitos humanos, algumas decisões que proferiu como magistrado da Corte Constitucional da Colômbia servem de alerta, pois, caso adotada a mesma lógica, podem colocar em xeque os padrões interamericanos de direitos humanos.


Os mandatos que se iniciarão em 2022 na CIDH e na Corte IDH serão exercidos em um contexto bastante desafiador. A necessidade de retomada das atividades no mundo pós-pandêmico e as crises políticas e econômicas que perpassam tantos Estados da região demandarão atenção redobrada por parte dos órgãos do SIDH. Espera-se que as novas juízas, o novo juiz, a nova comissionada e o novo comissionado coloquem em prática as ideias trazidas ao longo de suas campanhas, sobretudo quanto à implementação das decisões da CIDH e da Corte IDH, à necessidade de redução do atraso processual, à maior publicidade por meio de sistemas de informações e ao não-retrocesso na proteção e na promoção dos direitos humanos nas Américas.




*Bruna Nowak e Giovanny Padovan Ferreira são pesquisadoras do Observatório Cosmopolita do Sistema Interamericano de Direitos Humanos e do NESIDH-UFPR.



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