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Hilary Charlesworth é eleita juíza da Corte Internacional de Justiça

*Por Beatriz Nogueira Caldas


Foto: Graham Tidy.


No último dia 5 de novembro, a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança das Nações Unidas elegeram Hilary Charlesworth, da Austrália, como juíza da Corte Internacional de Justiça (CIJ). Ela assumirá o posto anteriormente ocupado por James Crawford, falecido em 31 de maio de 2021. Charlesworth concluirá o mandato de 9 anos de James Crawford, que terminará em 5 de fevereiro de 2024.


Charlesworth foi indicada pela Austrália, enquanto seu concorrente, Linos‑Alexander Sicilianos, foi indicado pela Grécia. Hilary alcançou a maioria absoluta em ambas instâncias no primeiro turno de votação, por 11 votos a 4 na votação do Conselho de Segurança, e 117 votos a 71 na Assembleia Geral – relembre o processo de eleição dos juízes da CIJ aqui.


Hilary Charlesworth: biografia


Hilary Charlesworth é professora da Faculdade de Direito da Universidade de Melbourne e da da Universidade Nacional Australiana, membro do conselho editorial de revistas científicas como o American Journal of International Law, além de Diretora do Centro de Governança e Justiça da Universidade Nacional Australiana. Seu currículo completo pode ser acessado aqui.


Na Corte Internacional de Justiça, Charlesworth já havia atuado como juíza ad hoc nos casos Guiana v. Venezuela (caso “Sentença arbitral de 3 de outubro de 1899”), e Japão v. Austrália (“Caça a baleias na Antártica”).


Charlesworth é conhecida por sua vasta produção do campo da teoria feminista do Direito, trazendo fortes críticas à estrutura do direito internacional público. Seus artigos “Feminist Approaches to International Law” (1991) e “Feminist Methods in International Law” (1999), “Feminists Reflections on the Responsibility to Protect” (2010) e “The Woman Question in International Law” (2011) destacam alguns dos principais problemas desencadeados pela ausência de debates de gênero e pela falta de mulheres em posições de poder no direito internacional. Outras feministas como Catharine Mackinnon e Sandra Harding são grandes influências para a pesquisa acadêmica de Charlesworth.


Foto: OpenGlobalRights


Em seus trabalhos, Hilary Charlesworth apresenta também críticas ao sistema da ONU, indicando a necessidade de maior representatividade de mulheres nos cargos mais altos da organização. Tais críticas ficam evidentes no contexto da própria CIJ, em razão da ínfima presença de mulheres na bancada de juízes da Corte (apenas quatro dentre os atuais quinze juízes).


Disparidade de gênero na composição da Corte Internacional de Justiça


Em um de seus artigos mais recentes, “Feminists Reflections on the Responsibility to Protect” (2010), Charlesworth destaca a baixa representatividade feminina entre os juízes da Corte Internacional de Justiça, onde, até o ano de 2010, apenas uma mulher havia sido eleita para sua composição.


Charlesworth é a quinta mulher a ser eleita juíza da CIJ desde a criação da Corte. Apesar do Estatuto da Corte prever, em seu artigo 3 (1), a vedação à presença de dois juízes da mesma nacionalidade, o Estatuto não traz nenhuma previsão sobre igualdade de gênero.


A ausência dessa previsão pode ser uma das causas para a pequena presença feminina na bancada da Corte desde seu estabelecimento. Dos 110 juízes eleitos ao longo da história da CIJ, apenas 5 são mulheres.


Analisando o exemplo do Tribunal Penal Internacional (TPI), é possível perceber que a questão da paridade de gênero poderia ser abordada de forma que possibilitasse um maior número de mulheres eleitas para composição da Corte Internacional de Justiça.


O Estatuto de Roma do TPI prevê, em seu artigo 36 (8), (a), (iii), que os Estados devem buscar uma representação justa de juízes do sexo feminino e do sexo masculino durante as eleições. Essa previsão se mostrou eficaz pois, atualmente, há uma divisão igualitária entre os 18 juízes do TPI, sendo 9 mulheres e 9 homens.


A discrepância de gênero verificada na composição da CIJ, além de preocupante, mostra como as críticas de Charlesworth são pertinentes e necessárias para o desenvolvimento do direito internacional.

Mapeando os silêncios: o direito internacional e a teoria feminista


Em “Feminist Methods in International Law” (1999), Hilary Charlesworth procura mapear os silêncios presentes no direito internacional público, argumentando a existência de um silenciamento das mulheres na área que permeia todas as camadas do sistema jurídico internacional, sendo um elemento crítico para a instabilidade do ordenamento jurídico internacional.


Charlesworth ressalta que questões relacionadas aos direitos das mulheres, como violência sexual, são colocadas na esfera privada, enquanto questões relacionadas a governos, política e Estado integram o âmbito público. Para a autora, essa distinção entre as duas esferas tem um caráter de gênero, não sendo objetiva ou neutra. Além disso, essa diferenciação diminui o campo de proteção das mulheres no direito internacional, especialmente no âmbito dos direitos humanos. Assim, Charlesworth afirma que a teoria feminista do Direito questiona as noções de objetividade de um sistema jurídico que, na prática, exclui a voz das mulheres.


Foto: Palácio da Paz, em Haia / UN-ONU PHOTO / ICJ-CIJ.


Em “Feminist Approaches to International Law” (1991), Charlesworth também argumenta que o sistema jurídico internacional reflete uma perspectiva essencialmente masculina que inviabiliza e exclui mulheres, de forma a garantir a perpetuação da dominação masculina – fato observável a partir da sub-representação de mulheres nos mais altos escalões das organizações internacionais.


Para Charlesworth, ao mapear e descrever os silêncios existentes no direito internacional, a teoria feminista pode identificar possibilidades para mudança.


Possibilidades de mudança: uma perspectiva feminista para a CIJ?


Com a eleição de Hilary Charlesworth para a Corte Internacional de Justiça,, algumas questões passam a surgir, como quais mudanças podem ocorrer no âmbito das decisões da Corte a partir de uma abordagem feminista do Direito.


Em “Feminist Approaches to International Law” (1991), Charlesworth afirma que a teoria feminista é uma forma de reinterpretar e reformular o Direito para que ele possa refletir, de maneira mais adequada, a experiência de todas as pessoas. Além disso, ela ressalta que uma perspectiva feminista, com foco em questões de gênero, poderia beneficiar muitas áreas do direito internacional, como responsabilidade estatal, direito dos refugiados, uso da força, direito humanitário, direitos humanos, controle populacional e direito ambiental.


Indício da renovação intelectual que pode representar a indicação de Charlesworth à CIJ pode ser encontrado em opinião separada ela emitida, ainda como juíza ad hoc da Corte, no caso Japão v. Austrália, acerca da caça a baleias na Antártica, no qual afirmou que métodos não-letais de pesquisa devem ser empregados sempre que possível, e que a necessidade de uso de métodos letais deve ser provada como indispensável para a utilização na pesquisa científica em baleias.


Por fim, cabe destacar que, de acordo com Hilary Charlesworth:


“A transformação feminista do direito internacional poderia envolver mais do que simplesmente refinar ou reformar a lei existente. Poderia levar à criação de regimes internacionais com foco no abuso estrutural e na revisão de noções de responsabilidade estatal. Também poderia levar a desafiar a centralidade do Estado no direito internacional e as fontes tradicionais do direito internacional”. (CHARLESWORTH, 1991, p. 664, tradução livre).

Assim, resta esperar pelas futuras decisões de Charlesworth enquanto juíza da Corte Internacional de Justiça. As novidades e detalhes dos trabalhos da Corte você acompanha no Observatório Cosmopolita da Corte Internacional de Justiça.




*Beatriz Nogueira Caldas é mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e membro do Observatório da Corte Internacional de Justiça do Cosmopolita. É diretora da linha de Direito Penal Internacional do Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais (GEDAI), da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora no Grupo de pesquisa Direito das Minorias e das Pessoas em Situação de Vulnerabilidade, da Universidade de Fortaleza. Estagiou no Tribunal Penal Internacional em 2018.




Bibliografia recomendada:


CHARLESWORTH, Hilary; CHINKIN, Christine; WRIGHT, Shelley. Feminist approaches to international law. The American Journal of International Law. Durham: Duke University School of Law, v. 85, n. 4, p. 613-645, 1991.


CHARLESWORTH, Hilary. Feminist methods in international law. The American Journal of International Law, s.l., v. 93, n. 2, p. 379-394, 1999.


CHARLESWORTH, Hilary. Feminist Reflections on the Responsability to Protect. Global Responsibility to Protect, s.l., v. 2, p. 232-249, 2010.


CHARLESWORTH, Hilary. The Woman Question in International Law. Asian Journal of International Law, s.l., v. l, n. 1, p. 1–6, 2010.


UNITED NATIONS.Veteran Australian judge Hilary Charlesworth elected to the International Court of Justice. Disponível em: https://news.un.org/en/story/2021/11/1105002. Acesso em: 07 nov. 2021.


UNITED NATIONS. United Nations General Assembly and Security Council elect Ms Hilary Charlesworth as Member of the Court. Press Release. Disponível em: https://www.icj-cij.org/public/files/press-releases/0/000-20211105-PRE-01-00-EN.pdf. Acesso em: 07 nov. 2021.


UNITED NATIONS. Security Council Fills Vacancy on International Court of Justice. Press Release. Disponível em: https://www.un.org/press/en/2021/sc14689.doc.htm. Acesso em: 08 nov. 2021.


UNITED NATIONS. General Assembly Elects Judge to International Court of Justice. Disponível em: https://www.un.org/press/en/2021/ga12379.doc.htm. Acesso em: 08 nov. 2021.


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