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Inscrições Abertas: CIDH anuncia processo seletivo para ocupação do cargo de Secretário Executivo.

* Por Ana Carolina Ribas e Stephany Felipp

Foto: Juan Manuel Herrera/OAS


A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH ou Comissão) anunciou em 18 de setembro que abrirá novo processo seletivo para preencher o cargo de Secretário Executivo da organização. A iniciativa se dá após a conturbada decisão do Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luís Amalgro, de não renovar o mandato do brasileiro Paulo Abrão para o desempenho da função. Em seu anúncio, a CIDH expressou sua gratidão à administração de Abrão pelo seu trabalho nos últimos quatro anos e lembrou sobre a importância do respeito à autonomia e à independência do órgão.


O contexto no qual se deu a decisão do Secretário Geral da OEA em não dar seguimento ao processo de renovação do mandato de Abrão foi tratado em texto anterior publicado pelo Cosmopolita, no qual foi abordada a cronologia dos acontecimentos, bem como exploradas as possíveis causas e principais preocupações em relação à referida decisão.


Foto: Erick Marciscano/Reuters


A decisão do Secretário Geral da OEA de não reconduzir Abrão ao cargo teria sido embasada em denúncias funcionais feitas contra o então Secretário Executivo. Apesar de, até agora, o conteúdo das denúncias não ter ficado claro, a CIDH expressou preocupação sobre o assunto. Afirmou, ainda, que, visando a solução do impasse de modo transparente, uma das premissas que pautou o diálogo institucional com a Secretaria Geral da OEA neste contexto foi a proteção dos direitos dos (as) trabalhadores (as) da CIDH. As outras duas premissas foram a defesa de sua autonomia na escolha de seu próprio Secretário Executivo e o respeito ao devido processo legal, relembrando que o fato de alguém estar sob investigação não deveria ser usado como óbice ao exercício do cargo.


Em 25 de agosto de 2020, a CIDH chegou a reiterar seu “voto de confiança na renovação do mandato do Secretário Executivo”, expressando mais de uma vez sua intenção de que, por meio do diálogo, pudesse alcançar uma solução coerente com sua autonomia e independência. Não obstante, a decisão do Secretário Geral da OEA foi mantida, de modo que o novo processo seletivo para ocupação do cargo de Secretário Executivo da CIDH fora aberto em 25 de setembro.

Segundo a própria CIDH, a sua decisão deu-se de para “preservar a institucionalidade da Organização” de maneira responsável. Observando o artigo 12.2 do Regulamento da CIDH, a Secretária Executiva Adjunta para Monitoramento, Cooperação Técnica e Promoção, Maria Claudia Pulido, assumirá o cargo de Secretária Executiva até que o (a) novo (a) titular seja escolhido (a) pelo processo de seleção.


Como será o processo?

O cargo de Secretário Executivo está especificado no artigo 21 do Estatuto da CIDH e nos artigos 11 a 13 de seu Regulamento. O regramento do processo está descrito no artigo 11.3 do Regulamento da CIDH, prevendo que a Comissão deve fazer um anúncio público da posição especificando os critérios para preenchimento da vaga.


Na seleção em aberto, os candidatos devem ser cidadãos dos países-membros da OEA, formados em direito ou outra ciência social por instituição idônea com especialização em direitos internacional dos direitos humanos, possuir mais de 15 anos de experiência profissional em nível nacional e internacional, incluindo trato com funcionários de alto escalão do governo e de agências intergovernamentais e não-governamentais e, por fim, proficiência em pelo menos 2 idiomas oficiais do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH ou Sistema) (inglês, francês, português e espanhol).


Após o envio de currículos com os requisitos anteriormente indicados, além de idoneidade moral e conhecimento avançado do Sistema e da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, entre outras habilidades pessoais solicitadas, a CIDH selecionará de 3 a 5 candidatos.


Esse grupo seleto será identificado no site da Comissão, com nome e qualificações, possibilitando sua avaliação pelos membros da OEA e da sociedade civil, que poderão tecer comentários acerca dos candidatos selecionados nesta etapa. Os candidatos terão, ainda, que gravar dois vídeos de no máximo 2 minutos explicando em um a sua experiência e no outro as propostas que embasam sua candidatura ao cargo de Secretário Executivo.


Em sequência, os finalistas serão entrevistados pessoalmente em sessão plenária da Comissão, em data já marcada para fevereiro de 2021. A fase de entrevista pelo plenário da CIDH não é prevista normativamente, mas é prática adotada pelo órgão ao menos desde 2012.


Após essa fase, será selecionada a pessoa mais qualificada cujo nome será apresentado ao Secretário Geral da OEA para ser nomeado para o cargo, com mandato de 4 anos, passível de uma renovação, conforme artigo 21 do Estatuto e 11 do Regulamento da CIDH.


Foto: Site da Comissão Interamericana de Direitos Humanos


Histórico

A CIDH é um órgão autônomo em relação à Secretaria Geral da OEA, já que o artigo 53 da Carta da OEA não prevê nenhuma espécie de hierarquia entre os dois órgãos. Nada obstante, enquanto centro administrativo da OEA (ver, por exemplo, o Capítulo XVI da Carta da OEA), em determinados aspectos acaba assumindo papel relevante e de possíveis ingerências na CIDH, como ficou evidente neste episódio.


Não é a primeira vez, porém, que se questiona se a autonomia da CIDH é de fato favorecida pelo seu modo de organização. Em 2012, alguns jornais reportaram denúncias de suposta pressão do então Secretário Geral da OEA, ao lado de alguns governos, para troca da Secretaria Executiva da CIDH.


No mesmo ano, o então Secretário Executivo Santiago Cantón renunciou ao cargo em meio a um contexto bastante crítico e marcado por declarações a respeito de ameaças à independência do órgão, o que estaria relacionado tanto à relação abalada entre a Secretaria Executiva da CIDH e a Secretaria Geral da OEA quanto a pressões hostis advindas de alguns Estados-membros da OEA durante o que se convencionou chamar de “processo de fortalecimento do SIDH”, iniciado ainda em 2011 e com fim em 2013.


Um dos pontos-chave do referido processo de fortalecimento foi o processo de reforma do próprio Regulamento da CIDH, resultado de “recomendações e observações apresentadas pelos Estados membros e por todos os atores do sistema” e também marcado por tensões e preocupações acerca da manutenção da autonomia do órgão. À época, organizações da sociedade civil manifestaram sua preocupação em relação a uma série de recomendações estatais relacionadas à reforma da CIDH que, ao contrário do que inicialmente pretendido, poderiam levar ao enfraquecimento do SIDH.


Não obstante, em 2013, entraram em vigor as modificações aprovadas pela CIDH, o que incluiu a manutenção da Resolução 1/2011, cuja proposta foi justamente adensar a transparência e regularidade do processo de seleção da Secretaria Executiva da CIDH, dando ao artigo 11 do Regulamento da CIDH o texto que vigora até hoje.


Ainda assim, ao menos no que concerne à influência da Secretaria da OEA sobre a CIDH, a situação enfrentada neste ano revelou um ruído interno no Sistema que ecoou com ainda mais nitidez do que no passado. Isso porque, muito embora a renúncia do então Secretário Executivo da CIDH em 2012 também tenha sido conturbada, o pronunciamento do órgão sobre o assunto foi mais tímido (ver, por exemplo, a breve menção feita na própria Resolução 1/2011). Quanto ao processo de fortalecimento do SIDH concluído em 2013, a origem dos embates estava mais ligado à relação entre a Comissão e alguns Estados-membros da OEA, sendo que a relação entre a Secretaria Geral da OEA e a Secretaria Executiva da CIDH acabou por não ocupar o primeiro plano dos debates e notícias.


Do ponto de vista interno do SIDH, diante da decisão da Comissão de abrir nova seleção para o preenchimento do cargo de Secretário Executivo, espera-se que esse processo reflita os esforços do órgão de resolver o impasse do modo mais transparente possível, ao mesmo tempo que faça valer a normativa que prevê sua independência e autonomia.

As maiores expectativas concentram-se, porém, “do lado de fora” do Sistema, no anseio de que os direitos humanos na região, protegidos e promovidos pela atuação protagonista da CIDH, não sejam os mais prejudicados pela situação.


*As opiniões expressas neste texto não refletem necessariamente as opiniões de instituições ou organizações às quais as autoras estão vinculadas.


**Ana Carolina Ribas e Stephany Felipp são parte do Observatório Cosmopolita da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

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