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Como apresentar um amicus curiae na Corte Interamericana de Direitos Humanos?

Por Giovanny Padovam Ferreira*



Os amici curiae são importantes oportunidades de participação da sociedade civil organizada e outros stakeholders nos processos de tomadas de decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), como já é reconhecido de longa data. Em verdade, desde o primeiro caso contencioso julgado pela Corte – Velásquez Rodriguez vs. Honduras, em 1988 –, se viu a participação da sociedade civil por meio de peças de amicus curiae.


No entanto, foi somente com a reforma do Regulamento da Corte IDH de janeiro de 2009 que a apresentação dessas peças foi regulamentada, consolidando formalmente uma prática que vinha sendo adotada há décadas. Essa formalização foi adotada por campanhas constantes para que a Corte IDH regulamentasse a prática. Como se menciona na exposição de motivos das reformas do Regulamento de 2009, segundo a própria Corte, no processo de consulta sobre as propostas regulamentares, várias das observações remetidas manifestavam a necessidade de se regulamentar a apresentação dos amici curiae.


Hoje, o procedimento para apresentar amicus curiae em um caso contencioso é claro – e, mais ainda, simples. No mesmo ano de 2009, a Corte IDH reformou mais uma vez seu regulamento para autorizar o uso de formas simplificadas de comunicação, por “novas tecnologias”. Apesar disso, com a formalização da apresentação de amicus curiae, há requisitos que devem ser observados – e esse texto busca sintetizá-los para fomentar a crescente participação da sociedade civil organizada brasileira, incluindo a academia, nos processos de decisão da Corte IDH. Esse texto também parte do pressuposto que o público leitor já possui algumas noções básicas sobre funções e procedimentos da Corte IDH e do Sistema Interamericano. Se esse não é o seu caso, convidamos-lhe a leitura deste artigo antes de voltar para cá.


O que são os Amici Curiae?


Seguindo a definição oferecida pelo art. 2.3 do Regulamento da Corte, amicus curiae é pessoa ou instituição alheia ao litígio e ao processo que apresenta à Corte fundamentos acerca dos fatos contidos no escrito de submissão do caso ou fórmula considerações jurídicas sobre a matéria do processo, por meio de um documento ou de uma alegação em audiência.


Portanto, são intrínsecos aos amici curiae o caráter de voluntariedade e a desvinculação à causa (não há um interesse juridicamente qualificado). Apesar de o regulamento mencionar participação oral, nos casos contenciosos perante a Corte IDH, a participação de amicus curiae se restringe à apresentação de peças escritas, conforme o art. 41 do mesmo regulamento. É importante destacar que não apenas considerações jurídicas podem ser submetidas, mas também considerações sobre fatos. Daí por que podem ser apresentadas peças escritas por instituições não necessariamente especializadas em direito.


O que apresentar em uma peça de amicus curiae?


O grande objetivo dos amici curiae é oxigenar ainda mais o debate já travado entre as partes e a Corte. Nesse sentido, em que pese tal não seja um elemento formal obrigatório dos amici – e a Corte IDH possui a tradição de ser receptiva e, em geral, não recusar a participação de quem requer o ingresso como amicus curiae na forma correta-, é interessante que as peças contam com elementos inovadores, trazidos pelo olhar particular que seus autores têm da temática.

Esses elementos inovadores podem ser desde o realce de marcos importantes da controvérsia jurídica que corre ao fundo do caso e que talvez estejam sendo olvidados, a apresentação de elementos de casos comparados (especialmente de outros sistemas ou casos das jurisdições internas dos países), a análise de fontes do direito para além da CADH que podem contribuir com o caso, ou até mesmo – e de forma muito destacada – dados sobre a realidade fática concreta.


Para aportar esses elementos inovadores e que realmente contribuirão ao debate, diversas estratégias podem ser utilizadas. Em quaisquer delas, é importante ter em mente que a Corte conhece o Direito e os elementos mais clássicos de sua jurisprudência e, portanto, amici curiae que apenas recompilem de forma mais superficial esses marcos, apesar de serem aceitos pela Corte, talvez sejam peças que não estão explorando todos os potenciais que essa forma de participação possui. Assim, algumas estratégias para construir peças são:


Primeiro, conhecer mais a fundo o caso que será comentado, com a leitura da maior parte de peças disponíveis e acompanhamento de audiências. Na hipótese de casos contenciosos, é praxe da Corte IDH publicar as principais peças do processo apenas após a sentença, mas isso não impede que os interessados já conheçam os relatórios de admissibilidade e mérito da CIDH, como mínimo, ou que investiguem se houve audiências perante a Comissão. Acompanhar as audiências dos casos perante a Corte IDH também é essencial.


Foto: @corteidh


Segundo, escolher uma ou mais problemáticas na qual se aprofundará – e especialmente considere aquelas que estão afim com expertises. Por vezes, a localização geográfica por si só dará uma leitura renovada de diversas realidades do caso e que podem ser úteis à Corte. Essa apresentação de dados poderá auxiliar a colmatar desde lacunas no expediente probatório (desde que sejam dados de público conhecimento e acessíveis), até o desenho de medidas de reparação integral que estejam mais afins com as necessidades atuais.


Terceiro, considerar o trabalho em rede. É comum que distintas organizações e grupos acadêmicos se reúnam para a construção de uma peça única de amicus curiae. Por vezes, são inclusive grupos interdisciplinares, o que permite olhares aprofundados a distintos pontos do caso.


Em qual idioma o amicus curiae deve ser apresentado?


Em geral, deve ser um dos idiomas de trabalho adotado no caso. O art. 28.1 do Regulamento da Corte IDH estabelece que “os idiomas de trabalho serão os que a Corte adote anualmente. Contudo, para um caso determinado, também se poderá adotar como idioma de trabalho o de uma das partes, sempre que seja oficial”.


Em casos contra o Brasil, o português certamente será um dos idiomas de trabalho do caso. Em casos contra outros países, a tradução ao Espanhol é recomendada, como cautela. A Corte IDH até poderia autorizar a participação de uma parte em um caso por meio de um idioma que não o de trabalho, providenciando ela mesma a tradução para os idiomas de trabalho (art. 21.4), mas essa é uma faculdade e a cautela, novamente, é bem-vinda. A título de exemplo, em Artavia Murilo vs. Costa Rica, de 2012, uma peça de amicus curiae não foi considerada pois apresentada em inglês, idioma que não era um dos idiomas de trabalho do caso. A Corte IDH até notificou a parte, solicitando a tradução, mas a peça traduzida não foi remetida antes do término do prazo regulamentar para a apresentação de amicus curiae.


Qual o prazo para a apresentação de amicus curiae em um caso contencioso?


Foto: Corte Interamericana de Derechos Humanos.


Sempre 15 dias, mas o dia do início da contagem do prazo é variável. Há duas situações: primeiro, aquelas em que a Corte IDH convocou a realização de uma audiência – que é a maioria. Nesses casos, segundo o Regulamento da Corte IDH em seu art. 41, a peça deve ser apresentada até 15 dias após a realização da audiência. Não há distinção entre dias úteis e dias corridos. O dia 01 da contagem do prazo é o dia imediatamente posterior ao da audiência.


Se a Corte IDH não convocar audiência, o amicus curiae deverá ser apresentado nos 15 dias seguintes à publicação da Resolução em que a Corte IDH outorga à CIDH, representante das vítimas e Estado o prazo para apresentação de alegações finais e derradeira prova documental. As demais regras da contagem de prazo são similares.

Neste link, sempre podem ser acompanhadas as resoluções em que a Corte convoca partes à audiência ou comunica que a audiência não será realizada e, portanto, outorga prazo para apresentação de alegações finais e últimas provas. Normalmente, as audiências são convocadas de um a dois meses de antecedência.


Elegendo casos para se apresentar a peça de amicus curiae


Apenas 15 dias pode não ser prazo suficiente para a elaboração de uma peça aprofundada de amicus curiae, ainda mais considerando a recomendação, como já pontuado, de se prezar por temas que oxigenem o debate na Corte. Uma forma de se garantir mais tempo para a elaboração de peças de amicus curiae é prestar atenção ao andar da Corte IDH e aos casos que lhe são submetidos. Acompanhar o Observatório do SIDH do Cosmopolita e, especialmente, se inscrever em sua newsletter são estratégias para tanto.


Além disso, nesta página da CIDH são apresentados os casos que foram submetidos à Corte. Casos contenciosos em trâmite também são apresentados nesta página do site da Corte IDH, mas pode haver algum atraso na atualização. Tomando por exemplo o Brasil, os casos José Airton Honorato e outros e Neusa do Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira foram submetidos pela CIDH à Corte IDH mais cedo neste ano, mas ainda não constam no site da Corte IDH.


Como enviar a peça de amicus curiae?


A peça deve ser enviada ao email tramite@corteidh.or.cr, indicando quem representa a instituição (especialmente para fins de comunicação) e constando a assinatura de pelo menos esse representante no documento. É aconselhável que se remeta um documento pessoal. Nada impede – e inclusive é um estímulo e reconhecimento - que todas as pessoas que participaram na elaboração da peça a firmem.


Em Opiniões Consultivas as coisas mudam um pouco…


Para além de julgar casos contenciosos, a Corte pode emitir pareceres consultivos sobre questões submetidas por órgãos da OEA ou por Estados. Esse procedimento não é contencioso e há possibilidade de participação da sociedade civil, inclusive mais ampla do que nos casos contenciosos. Segundo o art 67.2 e 67.3 do Regulamento, ao receber um pedido de parecer consultivo, a Corte IDH convida a todos os interessados a apresentarem sua opinião escrita sobre os pontos submetidos à consulta.


Tecnicamente, o Regulamento da Corte IDH não utiliza a expressão amicus curiae para se referenciar a este tipo de participação, somente havendo tal nomenclatura para os casos contenciosos. De toda forma, “amicus curiae” é um termo utilizado por vezes para referir-se à apresentação de observações no bojo de procedimentos de opinião consultiva.


Sempre é possível acompanhar as solicitações de opinião consultiva aqui. Nesse mesmo link, se publicam os convites, mencionados no art. 67.2 e 67.3 do Regulamento, aos “amici curiae”. Os materiais enviados são, após, publicados também na página.


O convite fixará prazo e, se necessário, formas adicionais para o envio das observações. Além disso, a Corte costuma convidar as partes que realizaram observações para que compareçam à audiência pública da opinião consultiva, uma participação que não se vê nos casos contenciosos. Durante as audiências, é importante que os stakeholders foquem, ainda mais, nas maiores e melhores inovações ao debate que podem ser aportadas desde suas expertises e experiências individualizadas.


E perante a CIDH?


Não há, até o momento, formalização de participação por meio de amicus curiae em casos contenciosos perante a CIDH, apesar de, algumas vezes, a CIDH já ter mencionado que foram submetidos amici curiae no bojo do procedimento. Talvez essa seja uma medida a ser reclamada pela sociedade civil e academia, tal qual foi perante a Corte IDH. A regulamentação da participação de amicus curiae perante a CIDH abriria mais uma porta para o diálogo com a sociedade civil organizada.




*Giovanny Padovam Ferreira é pesquisadora do NESIDH-UFPR e do Observatório Cosmopolita do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

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